PGU 666 e Artista Profissional

PGU 666

Artista Profissional

Meu depoimento 

 

6ª JAC, Jovem Arte Contenpoânea, Museu de Arte Contenporânea da Universidade de São Paulo,1972, um repensar do regimento de salões com museografia em padrão próprio: não haveria júri, classificação ou premiações. Walter Zanini e Donato Ferrari trocaram, lá, suas ideias e compuseram um evento totalmente desvinculado do que havia de hábito.

O Zanini achava inapropriado julgar os artistas e classificá-los entre seus pares, mas insistia em que cada um refletisse sobre cada coisa que fizesse. Responsabilidade, enfim.

 A liberdade para desamarrar-se de normas e expressar-se “como desse” era, diga-se, o anseio da época e não podia atrelar-se a princípios de padrão conhecido. Padrões que compunham os critérios de classificação de que se fugia. Esta condição gerou inovações: coisas preciosas e alguma avacalhação. Permitiu, por exemplo, a aceitação das “arte meio” no quadro das artes plásticas, que andava no ar e era praticada fora de circuitos conhecidos: Arte Postal, Video Arte, Performance, Instalação e o resto ganharam, com o tempo, novo item de classificação sob a rubrica “Arte Conceitual”. Pessoalmente preferi “Conceitualismo”.

Não há de se dizer que o ”sistema”, com seus tentáculos, tenha cooptado o novo modo como se temia na ocasião. Não. O que ocorreu é que o novo modo impôs-se ao sistema e passou a ser estudado e avaliado com critérios dele extraídos.

A 6ª JAC foi o momento para São Paulo e outros centros artísticos do país. O julgamento classificatório foi substituído por sorteio e a inscrição por presença.

 

Foi produzido um mapa que loteava o espaço com lotes numerados e tabela para anotação e reflexão sobre as ocorrências. Impresso em frente e verso, era o cartaz do evento.

 

Entre os presentes -muita gente- foram sorteados os lotes e cada ganhador o ocuparia com criação sua e, responsavelmente, anotaria ocorrências do desenvolvimento na tabela.

Eu não fui sorteado. Fiquei de fora. Radha Abramo, crítica muito atuante na época, indignou-se com minha má sorte e anunciou que me compraria um lote, o que fez, de alguém presente que apenas passava e tinha sido sorteado. Por minha vez, pedi que a transação fosse documentada com compromisso de compra e venda; recibo e cópia do cheque (eram duzentos alguma coisa); e termo de doação. Autentiquei em cartório a papelada e passei a enriquecer uma pasta com a documentação que a burocracia exagerada costumava exigir. Botei lá atestado de idoneidade moral, atestado de residência, vacina, e preenchi tabelas em postos burocráticos da cidade. O DSV, hoje DETRAN, foi afonte mais rica facilitado pela quantidade de despachantes que formigavam nas imediações e dentro que, em troca de um trocado, faziam qualquer coisa sem olhar bem o que tinham em mãos. Bastava que tivesse semelhança com a documentação a que estavam acostumados. Semelhança conseguida com a aplicação de borracha e “letra set” nos lugares certos. Alguns desconfiaram e fizeram ameaças.  Em geral eram brutos e agiam como se fossem policiais e advogados ao mesmo tempo numa mistura estranha, mas convincente.

Fui organizando a papelada em uma pasta que fazia a caricatura das pastas que via nas mãos daquela gente, usando como estrutura a peça A Exceção e a Regra de Bertold Brecht, estrutura que me orientou, também, na ordenação das ações e na busca do material. Enquanto engordava, a pasta ficou exposta no meu lote em um suporte convencional de museu, uma base.

Ao final, um último documento me fazia artista profissional, com carteirinha e tudo. Foram tiradas 10 cópias, numeradas, com os recursos de reprodução de documentos da época, fotocópia.

Tendo escrito na capa da pasta Artista Profissional, muitos catalogam o trabalho com esse título. Na cópia número 5 colei a etiqueta que a numera ao lado de outra com o dizer "A Brecht".

 

Anos mais tarde, 1980, a Cooperativa de Artistas Plásticos de São Paulo reeditou a pasta em forma de brochura, acrescida de rápido histórico e de ficha que tornava quem a possuísse “artista profissional” mediante minha assinatura e a obtenção posterior de um texto crítico. A brochura foi posta à venda em três edições com valores diferentes: SL (Super Luxo); SL (Semi Luxo); SL (Sem Luxo). Nada havia de diferente entre uma e outra e o comprador escolhia o que queria comprar como quem assume uma posição. Todos os exemplares vendidos o foram ao preço do Semi Luxo

 

Ainda depois, 1985, organizando gavetas, separando arquivos de produção, anotações, lay outs, paste up, fotolitos, notei que havia em PGU 666 imagens do acaso –carimbos- com qualidade visual aparentada em estrutura, com as colagens que eu vinha fazendo aos poucos, durante anos. As Recordações de Viagem.

Separei seis delas e as namorei dando-lhes títulos que me pareciam sugestivos, um tanto ligados ao que se lia ou via e que, ao mesmo tempo, remetiam à sua origem burocrática. Já não era mais a Exceção e a Regra, mas, sempre, Prontuário Geral Unificado.

Da nova versão de PGU 666, formato A3, seis páginas, tiradas três cópias, envelopadas como o álbum Em Quatro Desentende-se Melhor.

Fica reservado material para tiragem sob demanda, limitada e numerada.

Gabriel Borba 2012

 

 

 

  

Conjunto da Obra

PGU 666 e Artista Profissional