Urnas
Urnas
Meu depoimento
Tudo começou com a minha participação em um evento de estudantes em que pensei em fazer uma agitação instrutiva com o tema que me incomodava e me incomoda: a identidade pessoal diante do outro. Um tema recorrente, pode-se dizer: Grace VanderWall, por exemplo, em 2016 aos 12 anos, inicia uma carreira que aponta para o sucesso com a música I Don't Know My Name.
Eu não sei porque, mas isso pediu para ser baseado em uma urna. Uma caixa onde as coisas secretas devem ser depositadas e guardadas até que chegue o momento certo.
Então fiz a Urna da Identidade Utópica.
Com um alto falante em punho recitei um conto absurdo no qual um taxi em alta velocidade, ao atravessar um túnel, atingia a velocidade da luz e se desmaterializava fazendo com que os passageiros se misturassem em não matéria, ocorrendo a experiência do sujeito (do indivíduo) no outro.
Não funcionou bem assim na primeira apresentação, mas relato do mesmo modo. Com som exageradamente alto, ouve-se o refrão “eu sou você” do Alceu Valença. Uma urna alta, 60X35X35 cm em cuja tampa, quando aberta, vê-se um espelho no verso, e dela é puxado um fio com muitas bandeirinhas de festa, coloridas, onde se lê “grite o nome dele”; “grite o nome dela” e na última “eu sou você” . Esse fio de bandeirinhas é puxado pela plateia em arquibancada circular, segurado acima da cabeça como varas de varal. Imensa algazarra.
A urna original, mal guardada, deteriorou-se e vai reproduzida em seu estado). Preocupado com a demora do restauro encomendada por uma Galeria, fiz outra a que chamei Identidade Utópica, Urna II .
Mais tarde, enquanto eu organizava meu arquivo pessoal para ser enviado a uma instituição pública, a moça que me ajudava identificou algumas correspondências de artistas, críticas de arte e amigas que, embora teoricamente interessantes, mencionavam assuntos pessoais como pensamentos e desejos íntimos.
Eu não poderia cortar parte disso, seria censura. Então eu as queimei e coloquei as cinzas em uma urna fúnebre com a inicial dos nomes das autoras impressas em um cartão quadrado meio enfiado nas cinzas.
Dei-lhe o título Cinzas de Uma Memória Antiga.
Quando em exposição Cinzas de uma Memória haverá de estar acompanhada da etiqueta:
“Uma instituição pública pediu em doação meu arquivo pessoal. Quem me ajudou, identificou velha correspondência de artistas, curadoras, estudantes de arte... com conteúdo teórico permeado de alusões amorosas -algumas indecentes, direi. Por delicadeza resolvi omitir nomes. Tampouco era adequado censurar partes. Queimei-as, então. Depositei as cinzas em uma urna funerária com o título Cinzas de uma Memória Antiga.
PS: se perguntam se isto é arte, digo não.
É Gabriel Borba”
Gabriel Borba, 2019