Série Carnavalesca
Série Carnavalesca
Meu depoimeto
Em 1972 Vilém Flusser inicia a coluna Posto Zero no jornal A Folha de São Paulo. Como seu assistente na época, nos reuníamos para preparar aulas e trocar ideias sobre planos de atuação, um deles a Posto Zero. Para Flusser, o título indicava a distância necessária da realidade para compreende-la e formular paradigmas.
Um dos assuntos, em fevereiro 1972, foi o carnaval, uma série. Série Carnavalesca: Síntese publicada em 12 de fevereiro, sábado; Máscaras em 14 de fevereiro, segunda feira; Festa em 15 de fevereiro, terça feira; Cinzas em 16 de fevereiro, quarta feira. Todos os quatro acompanhados de desenhos meus.
Em nossas conversas Flusser expunha animadamente o tema e como o trataria e eu, a partir daí, antes mesmo de conhecer o texto, preparava o desenho a ser usado na coluna. Não se tratava de ilustração e como se vê os desenhos não ilustram os conteúdo. São abstrações surgidas da empolgação causada pelo título e pelos comentários em conversa (além do conteúdo, rítmo, entonação e sotaque). Desta série, entregues na redação, guardei apenas dois. Festa e Máscaras.
Recentemente, em 2020, Baruch Gottlieb do Vilém Flusser Archive, Berlin, notou parentesco com desenhos de Mira Schendel. De fato, foram esses desenhos, nessa ocasião, que levaram o Flusser a apresentar-me à Mira, de quem me tornei amigo e admirador.
Havia outros artigos de que tenho pouca lembrança e não sei se foram publicados. Lembro de Bengala e ou Floresta (?) Bosque (?) sem lembrar se eram dois títulos ou os confundo diante da semelhança de conteúdo: para andar no bosque usa-se um bastão, a bengala... E o comentário, de mais de uma vez, era que se diz, em latim, becil para bengala e quem não tem bengala é imbecil. O raciocínio dá umas tantas voltas: o imbecillus latino (fraco) é composto de in (sem) mais baculum (bengala). O uso levou imbecil a significar fraco da cabeça. Mas a brincadeira linguística pode ir mais longe: baguete (formato de pão) do italiano, na origem bacchetta, é o diminutivo de bacchio que veio de baculum. Será o imbecil um mal alimentado?
Para depois da Série Carnavalesca Flusser cogitou o tema da nossa bandeira Ordem e Progresso. Comentava que há ordem para destruir e progresso em direção ao fim. Cheguei a esboçar uns desenhos e concordamos que poderia ser uma historieta com quatro quadrinhos. Uma mancha antropomórfica, inspirei-me em Samson Flexor, crescendo de um quadro ao outro tornando o último totalmente preto. Preto, aqui, direi, sem luz...
Mas não chegamos lá. Na rua 7 de Abril, centro de São Paulo, tomamos café em um bar e o Flusser subiu à redação para entregar a coluna da vez. Seria atendido pelo diretor de redação Claudio Abramo. Esperei na mesa. Na volta me conta que a coluna foi cancelada por pressão do colunista social da mesma página que não gostava da companhia. Acho que se chamava Tavares de Miranda. Contou-me detalhes da conversa que não vêm ao caso aqui.
Gabriel Borba, 2020