O Gato Acorrentado a Um Só Traçado
O Gato Acorrentado a um Só Traçado
Meu depoimento
Na cama, em 1977, joelho operado e muita dor, vejo na janela um gato me espiando. No outro dia e no outro e no outro, mais ou menos à mesma hora, lá estava o gato. Ao tentar virar-me para vê-lo melhor, gemia (aos gritos, às vezes) de dor e ele, assustado, fugia.
Um dia preparei-me em boa posição, com papel e lápis, e desenhei rapidamente o visitante.
Mais tarde, melhor, já fora da cama, elaborei cuidadosamente o desenho, procurando manter o canhestro do original.
O desenho foi usado para o vídeo O Gato Acorrentado a Um Só Traçado: Por trás de um vidro fosco repeti o desenho e o gravei em vídeo, enquanto o executava, repetindo a ação algumas vezes, ao som de um grito que expressaria dor em forma de miado. A instrução é reproduzi-lo em looping.
Usei um aparelho portapack do MAC USP, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, se a memória não me trai, dentro de um programa do Museu, voltado a vídeo arte, organizado por Cacilda Teixeira da Costa.
Quatro tomadas foram feitas em busca do difícil ajuste do enquadramento. O melhor quadro é o segundo, onde se pode ver o desenho completo, quase até a ponta da cauda do gato. Os dois últimos foram descartados. A falta de capacidade de edição disponível na época, fez com que a primeira tomada permanecesse. Neste caso, decupagem com fita adesiva, como fiz em Nós (versão II), por exemplo. não pareceu necessário.
Em 1978, diante da convocatória organizada por Marcelo Nitsche para que doássemos gravuras a serem leiloadas em prol do financiamento da campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso (foi o segundo mais votado e, conforme a regra, tornou-se suplente do mais votado do mesmo partido, Franco Montoro), alguns de nós se perguntaram “por que não fazemos algo assim em prol de nós mesmos?” Foi o embrião da Cooperativa de Artistas Plástico de São Paulo.
Unimos bom número de artistas, em grupo e com ajuda mútua, cooperada, produzimos certo número de gravuras que integraria o capital inicial da Cooperativa. Aproveitei o desenho do O gato Acorrentado... e, com a ajuda de Ubirajara Ribeiro, em seu ateliê, fiz uma tiragem litográfica.. A que se vê aqui.
A exposição pró Cooperativa dos Artistas teve como título Papeis & Cia e cada artista apresentou-se com edição de 30 cópias assinadas, postas a venda com preço único, sem que se distinguissem artistas consagrados de novatos. O disposto, encarado como “dumping de mercado”, provocou enorme desconforto nas galerias que tinham cooperados em seu elenco e gerou o que os jornais chamaram a Guerra das Gravuras.
Formada a Cooperativa, o primeiro corpo dirigente, foi composto por Ubirajara Ribeiro, Carlos Fajardo e eu, escolhidos por nossas características pessoais.
Gabriel Borba, 2019